sexta-feira, 29 de abril de 2011

Um contra o mundo

Sidney Lumet sempre foi um diretor independente. Mesmo contando com acachapante sucesso na década de 70, o cineasta sempre obedeceu às suas convicções e instaurou um novo modus operandi cinematográfico

Textos: William Alves
Edição: Marcos de Souza e Flávio Tavares

Depois de se estabelecer em uma bem-sucedida carreira de diretor de programas de televisão, Sidney Lumet decidiu rumar para o cinema, e o primeiro fruto disso foi Doze Homens e uma Sentença (“12 Angry Men”), de 1957. O filme conta com Henry Fonda no papel principal, a essa altura um talento já consolidado, principalmente depois de atuar em Vinhas da Ira (“The Grapes of Wrath”), de John Ford, dezessete anos antes. Vinte e cinco anos depois de sua estréia cinematográfica, Lumet afirmaria ao entrevistador Don Shewey: “Eu gosto de fazer filmes sobre homens que evocam coragem para desafiar o sistema vigente”. Ao filmar Doze Homens E Uma Sentença, cuja história se concentra em Davis, único membro de um júri que se opõe a uma decisão apressada que ceifaria a vida de um jovem infrator, Lumet prova que os seus princípios cinematográficos duraram ao menos um quarto de século.

 O diretor em 1999. Foto: Brian Hamill

Em O Homem do Prego (“The Pawnbroker, 1964) o diretor resvala em sua própria história, ao narrar o holocausto sob o ponto de vista de um judeu. Os pais de Lumet eram judeus, e ele próprio se envolveu efetivamente com arte através de um papel em um teatro judaico, aos cinco anos de idade. Ele também passou três dos seus oitenta anos servindo o exército dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, o que lhe proporcionou know-how suficiente para conceber mais uma obra-prima. Na cena mais emblemática do longa-metragem, Jesus Ortiz, empregado, pergunta ao seu patrão, o judeu Nazerman: “Como vocês (judeus) se envolvem tão naturalmente com os negócios?”. Nazerman tenta esconder a irritação, adotando um tom brando no início da sua resposta, mas logo acaba se descontrolando e revela a frustração com a intolerância e zombaria que o rodeiam: “Como? Ora, eu só posso ser um feiticeiro!”.

O Homem do Prego foi ambientado em Nova York, cidade que se tornou uma espécie de metonímia para o trabalho de Sidney Lumet. E é a “Grande Maçã” que sedia os dois filmes mais conhecidos do diretor, Serpico (1973) e Um Dia de Cão (“Dog Day Afternoon”, 1975), ambos com o astro Al Pacino como protagonista. “Um Dia de Cão é um filme controlado pelo tempo, mas dirigido com grande espontaneidade. É um suspense em forma porque cria a tensão pelas esperas e falsas expectativas, mas no fundo é um estudo de personagens em seus limites. E é forte justamente por isso, porque cria interesse em várias vertentes, e todas elas estruturam o filme em seu desenvolvimento”, afirma Filipe Chamy, redator da revista Zingu!, especializada em cinema. A rigor, o cerne da trama de “Um Dia de Cão” se resume um assalto que deu errado e acabou atraindo mais atenção que deveria. Mas, como Chamy bem observa, há vertentes. Uma delas é a justificativa de Sonny para o roubo: uma mudança de sexo para o seu amante homossexual. 

 Pôster oficial do filme

“Em princípio, Sonny é o herói da multidão e ele executa uma desafiadora dança em frente ao banco, se assemelhando a um rockstar se exibindo para seus fãs. Quando o fato de que Sonny é bissexual se torna conhecido, a multidão se volta contra ele. Mas dentro de um curto período de tempo (Nova York sendo Nova York), gays libertários passam a apoiá-lo”, analisa Roger Ebert, crítico de cinema do Los Angeles Times. Lumet se ancora em seu terreno favorito – o filme policial – mas não perde a oportunidade de cutucar significativamente a (suposta) cidade mais cosmopolita do mundo, brincando com assuntos tão díspares quanto a sexualidade e o show business. Afinal, como próprio atestou o diretor, “embora a meta de todos os filmes seja entreter, o tipo de filme que acho que vai um passo além obriga o espectador a examinar uma ou outra faceta de sua própria consciência, estimula o pensamento e faz fluir a criatividade".

Al Pacino e Lumet. Foto: Ron Gallela

Rede de Intrigas e Equus

Howard Beale é um respeitado âncora de um respeitado telejornal estadunidense. No entanto, Beale está gritando alto em frente às câmeras, veias pulsando perigosamente em seu pescoço: “EU ESTOU LOUCO COMO O DIABO E NÃO VOU AGUENTAR MAIS ISSO”. O ato contagia toda a cidade, e pouco após a exibição milhares de pessoas estão debruçadas em suas janelas e também estão loucas como o diabo e não agüentam mais isso. A cena faz parte de Rede de Intrigas (“Network”), de 1976. Como Um Dia de Cão havia saído apenas um ano antes, e também tinha como um de seus temas a obscena intrusão da imprensa em dramas pessoais, pode-se afirmar Rede de Intrigas começa onde o drama com o Al Pacino termina. “O filme representa um olhar certeiro de Lumet sobre o mundo. E não somente o mundo de 1977. O enredo continua atual”, diz Leo Pyrata, cineasta belo-horizontino.

Equus, de 1977, é, provavelmente, a obra mais subestimada do diretor. Longe de obter a mesma aclamação de seus outros filmes, e tão bom quanto, Equus acompanha a saga de Martin Dysart (Richards Burton) em identificar o criminoso que teria como bizarro fetiche cegar cavalos em um estábulo de Hampshire. Mesmo não sendo tão referenciado pelos cinéfilos quanto os outros filmes desse texto, rendeu a Richard Burton um Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar. Lumet nunca recebeu um Oscar como diretor até 2005, quando a academia resolveu lhe conceder um prêmio honorário.

O diretor falece em 9 de abril de 2011, vítima de um linfoma.

Legado

Lumet fez filmes memoráveis do começo (Doze Homens) ao o fim (Antes Que O Diabo Saiba Que Você Está Morto, 2007), completando exatos cinqüenta anos de filmografia. E cravou profundas marcas no cinema.

“Ele deixou o drama urbano mais ‘cotidiano’ ao instaurar temas que não eram literários e nem arquetípicos como o medo da irresponsabilidade nucler (Limite de segurança), a falta de escrúpulos da imprensa e o fim da privacidade (Um dia de cão) e a falência da família burguesa (Antes que o diabo saiba que você está morto). Trouxe uma encenação mais livre e menos marcada e se aproximou da estética de televisão sem com isso deixar de construir planos eficientes e descuidar da montagem e das câmeras e outros aspectos extradiegéticos de seus trabalhos”, atesta Filipe Chamy. “Praticamente todo cineasta que viu um filme dele em sua época de lançamento (ou até depois, como Quentin Tarantino) aprendeu com ele alguma técnica narrativa ou de controle da ação, e provavelmente a geração dos anos 70 (De Palma, Scorsese, Coppola, Spielberg) é o grupo mais nitidamente influenciado por seus filmes”, completa ele.

A.O. Scott, jornalista do New York Times, aponta a influência em The Wire, extraordinária série da HBO, e sintetiza o alcance duradouro do realizador: “Talvez a mais poderosa evidência recente que o sábio, teimoso e furioso humanismo que o senhor Lumet celebrava ainda está vivo”


Outras obras de destaque

Assassinato No Expresso Oriente, 1974

A adaptação do romance homônimo de Agatha Christie tem um dos fiéis escudeiros do diretor, Albert Finney, no papel do infalível detetive Hercule Poirot. Na história, um passageiro é morto no trem expresso e Poirot, o famoso detetive belga que estava a bordo, considera suspeitos todos os passageiros. Lauren Bacall, de Uma Aventura na Martinica, também está no elenco.

O Príncipe da Cidade, 1981

Um investigador de Nova York (Treat Williams) aceita participar de uma arriscada operação de combate à corrupção no departamento de polícia de Nova York, organizada pelo Departamento de Justiça. Mas ele terá de enfrentar a possibilidade de incriminar velhos amigos. O mote desse longa se assemelha muito ao de Serpico, realizado oito anos antes.

O Veredito, 1982

Um advogado alcoólatra e decadente, interpretado por Paul Newman, tem sua grande chance de se regenerar ao assumir um caso de erro médico. Ele não aceita intermediar acordos e acaba enfrentando um poderoso grupo, que é representado por um renomado criminalista.

Sob Suspeita, 2006

A principal peculiaridade desse longa é ter Vin Diesel, tradicional ator de blockbusters de ação, no papel principal. Diesel interpreta um mafioso ítalo-americano que assume a sua própria defesa em um processo.

Premiações

• Lumet recebeu quatro indicações ao Oscar de Melhor Diretor, por Doze Homens E Uma Sentença (1957), Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976) e O Veredito (1982). Recebeu um Oscar honorário pelo conjunto da obra em 2005;
• Indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, por O Príncipe da Cidade (1981);
• Recebeu cinco indicações ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Diretor, por Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976), O Príncipe da Cidade (1981), O Veredito (1982) e O Peso de Um Passado (1988). Venceu em 1976;
• Recebeu quatro indicações ao BAFTA, na categoria de Melhor Diretor, por Assassinato No Expresso do Oriente (1974), Serpico (1974), Um Dia De Cão (1975) e Rede de Intrigas (1976).
• Recebeu duas indicações ao BAFTA, na categoria de Melhor Filme Britânico, por A Colina dos Homens Perdidos (1965) e Chamada Para Um Morto (1967).
• Urso de Ouro, no Festival de Berlim, por Doze Homens E Uma Sentença (1957)
• Prêmio OCIC, no Festival de Berlim, por Doze Homens E Uma Sentença (1957).
• Prêmio FIPRESCI, no Festival de Berlim, por O Homem Do Prego (1964).
• Prêmio Pasinetti, no Festival de Veneza, por O Príncipe da Cidade (1981).
• Prêmio Bodil de Melhor Filme Americano, por Doze Homens E Uma Sentença (1957.
• Prêmio Bodil de Melhor Filme Não-Europeu, por O Homem do Prego (1964).

Um comentário:

  1. Vamos lá:
    -Ortografia: estreia, aguentam, cinquenta, nuclear;
    -Vírgula: Em O Homem do Prego (“The Pawnbroker, 1964), o diretor resvala;
    -Regência: serviu no exército;
    -Pontuação: “Como vocês (judeus) se envolvem tão naturalmente com os negócios?”;
    -Regência: o cerne da trama de “Um Dia de Cão” se resume a um (-1);
    -Ordenação: Afinal, como atestou o próprio diretor;
    -Sugiro colocar os filmes entre aspas;
    -Faltou: pode-se afirmar que Rede de Intrigas começa onde;
    -Limpar: o drama com Al Pacino termina; ao fim;
    -Grafia: Richard;
    -Adequação: Mesmo não sendo tão referenciado pelos cinéfilos quanto os outros filmes desse texto (diretor?);
    -Tempo verbal: O diretor faleceu em 9 de abril de 2011;
    -Acertar: planos eficientes e se descuidar da montagem e das câmeras e de outros aspectos extradiegéticos de seus trabalhos;
    -Modo verbal: que o senhor Lumet celebrava ainda esteja vivo.

    Nota: 24/25.

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