sexta-feira, 6 de maio de 2011

Era uma vez em Belo Horizonte...

 

Conhecido pelos moradores da capital mineira há vários anos, o escritor e desenhista Celton vende suas revistas no tumultuado trânsito da cidade

Celton vendendo as revistas no centro de Belo Horizonte

Por Bruna Ávila, Dayane Lima, Hévila Oliveira


Combates entre seres mitológicos e figuras cotidianas em frente ao Mineirão, perseguições na Praça Sete, encontros amorosos em esquinas de Belo Horizonte, escândalos de políticos famosos. Estas são cenas das revistas em quadrinhos escritas por Lacarmélio Alfeo de Araújo. Foi sentado em uma árvore na Praça da Estação, em meio ao barulho dos ônibus, carros e pedestres, que o autor, conhecido na capital como Celton, nos contou sobre a sua história e sobre as revistas.
A figura, sempre vestida com terno e gravata amarelo, é reconhecida por vários motoristas que passam pelos corredores movimentados de BH. Celton vende as suas histórias, de mesmo nome, em meio ao trânsito intenso da cidade. Já chegou a publicar mais de 40 mil exemplares de uma única edição, e já produziu cerca de 50 títulos sobre os mais variados temas. Na opinião dele, o sucesso da revista se deve a seu trabalho, dedicação e disciplina.
Celton largou a agência de publicidade em que trabalhava como desenhista para investir no mundo dos quadrinhos. Começou a produzir as revistas em 1981 e as primeiras publicações foram comercializadas em bancas da capital. A falta de divulgação acarretou em vendas pouco lucrativas, para Lacarmélio, que havia feito empréstimos para financiar a publicação.

O desenhista resolveu vender as revistas por conta própria em bares, escolas, teatros e faculdades. O dinheiro que ganhava com as vendas não era suficiente para arcar com suas despesas. E em busca de uma solução foi morar nos Estados Unidos, onde desempenhou atividades como desenhista e cantor. Chegou a tocar debaixo de pontes em Nova Iorque para conseguir dinheiro e voltar ao Brasil.

Ao retornar para o país, e pagar as dívidas adquiridas pela revista, suspendeu o projeto. Embora não fosse um negócio lucrativo, as HQs (histórias em quadrinhos) eram a paixão do autor, que voltou a produzi-las em 1998. “Eu voltei com a revista porque não conseguia ficar longe dela, não tinha jeito,” revela. Após diversas reformulações, a revista Celton passou a ser vendida no trânsito, como acontece até hoje.

Segundo o autor, a opção por assuntos populares e cenários cotidianos dos cidadãos da capital, foi a alternativas, que ele encontrou para transformar a publicação e aumentar as vendas. “A revista tinha muita influência de histórias americanas e os nomes dos personagens eram todos em inglês” afirma.

A fidelidade aos traços da cidade é fruto de muita observação e pesquisa por parte do autor. O tempo para produção de cada um dos títulos muda conforme o assunto. Em média, o autor leva um mês para a produção, porém em obras que exigem uma pesquisa mais profunda, pode demorar mais, como no caso da revista intitulada “O Fantasma de Ouro Preto,” que levou um ano para ser concluída.


“Produzo, basicamente sobre assuntos regionais, mas estou tentando fugir disso, por causa de São Paulo,” conta o autor, que já começou a vender as revistas na capital paulista. “A tática de falar sobre os assuntos populares vai se manter, os cenários é que vão ser específicos. A próxima aventura começa em São Paulo e termina em BH” afirma o desenhista.

A identificação do público com os personagens e cenários é inevitável. E Lacarmélio coleciona em Belo Horizonte um número razoável de leitores assíduos. Entretanto o autor não acredita na possibilidade de manter um público fixo. “Se a revista cair de qualidade o público fiel desaparece,” conta.


As pessoas que compram a revista Celton admiram o esforço do escritor e consideram que ele faz um bom trabalho. “É uma forma super inusitada, divertida que marcou. Uma super estratégia que deu certo!,” elogia Inara Silveira, 27 anos, que trabalha como editora de imagens. Ela ainda conta que já leu diversas histórias, é cliente há cinco anos e a revista preferida é a da loira do Bonfim.

“A verdade é que gosto de um bocado de histórias. Mas acho que essa me marcou mais. Na época, comprei a revistinha porque começaram a me chamar de loira do Bonfim. Fiquei sem entender e fui buscar informação. Me falaram da revista, corri e garanti a minha. Ai me deparei com uma lenda urbana, que adorei. Bem, mas a verdade é que, até hoje não sei por que me chamavam assim,” confessa a moça.

Um dos maiores problemas para os cidadãos de uma grande metrópole são os engarrafamentos. Para Celton, essas situações são as mais viáveis para angariar boas vendas. Ele fica em pontos variados da cidade, sempre em busca de lugares de grande movimento. Os principais corredores de venda são as avenidas Bias Fortes, Cristovão Colombo e Antônio Carlos.

Embora o próprio autor não se considere um agente valorizador da cultura, as histórias em quadrinhos contribuem para o aprendizado das crianças e são um estímulo para aqueles que querem adquirir o hábito da leitura. Ainda que os quadrinhos trabalhem com a linguagem verbal e visual, a utilização das imagens é predominante, o que colabora para a disseminação das informações.

Para o doutor em comunicação e professor da USP
Waldomiro Vergueiro “a junção imagem e texto é oferecida pelos produtos quadrinhísticos aos seus leitores e representa uma forma narrativa única, exclusiva deles, que faz o caminho para a leitura da palavra escrita muito mais ameno e agradável” .  Para ele, é essencial que os quadrinhos levem a leitura de outros tipos de textos escritos ou literários.

Ele ainda afirma que a revista Celton encaixa-se no estilo de produção independente e por isso não é um estilo procurado pelas editoras. “E
ntendo que os quadrinhos de Celton não despertaram o interesse das editoras devido à forma como ele os produz. Ele é um produtor independente, que não se adequaria às exigências de uma editora.”

Ao contrário das editoras, o professor, que também é fundador e coordenador do Observatório de histórias em quadrinhos da USP, tem um apreço especial pelo trabalho de Lacarmélio. Inclusive escreveu um texto sobre o autor que foi publicado na enciclopédia especializada espanhola
Del Tebeo al Manga. “Celton é quase parte do folclore da cidade”.
As histórias falam de Belo Horizonte, mostrando a vida de pessoas simples e suas dificuldades cotidianas, narrando as peripécias de um herói sem máscara, sem uniforme e sem identidade secreta, que ajuda a todos e enfrenta bandidos comuns,” explica o doutor.

O reconhecimento do trabalho do quadrinhista é grande, principalmente quando leva-se em consideração o tipo de produção, completamente independente e inusitada. O esforço tem sido recompensado e o autor já recebeu condecorações na capital mineira, expôs seu trabalho no 4º festival internacional de quadrinhos e na La mostra Mineira de Zines, em 2005.
O surgimento das revistas em quadrinhos no Brasil

O dia nacional dos quadrinhos é comemorado no dia 30 de janeiro. Seu surgimento no país foi a partir do século XIX, através das criações de Ângelo Agostini. Nos quadrinhos predominavam mais os estilos satíricos, conhecidos como cartoons, charges, caricaturas e depois a tira que foi considerada o estilo nacional de fazer quadrinhos.

O estilo tiras também se destacou por ser usado como forma de protesto na década de 60, conhecido como período militar. Elas eram publicadas nos jornais, inclusive no Pasquim, e foi um meio usado pelo povo para declarar a insatisfação que reinava naquela época.

Mesmo o Brasil possuindo grandes artistas, a influência americana, japonesa e europeia predominavam na criação dos quadrinhos. Os mais influentes continuam sendo os quadrinhos comics produzidos pelos americanos e os mangás pelos japoneses.

Os quadrinhos têm uma grande importância social
e política na história do país. A primeira revista de quadrinhos surgiu em 1905, era chamada ‘O Tico Tico, com trabalhos de artistas nacionais como J. Carlos. Foi a partir deste período que as criações começaram a aumentar e muitas produções surgiam a cada dia. Concursos eram feitos para a escolha de novas histórias para os famosos quadrinhos de Flash Gordon e Mandrake, que fazem parte da história nacional das revistinhas.

Ainda na década de 30, o Grupo Globo, de Roberto Marinho, publicou a revista Gibi, de tão popular, incorporou seu nome às revistinhas em quadrinhos no país. Em 1951, foi realizada a primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos na cidade de São Paulo (talvez a primeira exposição do tipo no mundo). Logo, nos anos 50, surgiram os quadrinhos de terror. Não demorou, e logo surgiram artistas que até hoje são consagrados por suas obras, é o caso de Ziraldo (criador do ‘Menino Maluquinho) e Maurício de Souza, criador das revistinhas “Turma da Mônica”.






Um pouco sobre o Celton...



Celton produz as revistas em seu próprio estúdio.


- De reformulação da revista no ano de 1998, os Quadrinhos Celton estão na sua 26ª edição.

sde a
- A tiragem que vária em média de dois mil exemplares por edição vem crescendo a cada nova história.  

- A revista mais vendida foi “O combate da sogra com o capeta”, dela foram feitas várias reimpressões e tornou-se o maior sucesso de público das histórias dos Quadrinhos Celton.

- O formato da revista segue o padrão de capa colorida e páginas internas em preto e branco desde a sua primeira edição.

- Celton Já chegou a publicar mais de 40 mil exemplares de uma única edição.

- O personagem Celton e sua namorada estão presentes ao longo de todas as edições das revistas.

- Os cenários da capital mineira, os pequenos detalhes dos espaços urbanos são figuras que ilustram os quadrinhos.    

- O autor já recebeu condecorações na capital mineira, expôs seu trabalho no 4º festival internacional de quadrinhos e na La mostra Mineira de Zines em 2005.



Nenhum comentário:

Postar um comentário